sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A simplicidade (complexa) do cotidiano

Estava eu na cozinha de meus tios, sozinho e quieto, cortando queijo prato. Cortando queijo prato num prato. Num prato amarelo. De repente, o som de suaves tilintares se aproximando invadem meus ouvidos e se misturam com as vozes de meus pensamentos. É o som das patinhas magrelas de Sevile tocando o chão. Quando me dou conta ela já está ao meu lado. Lembro-me dela da mesma maneira que me lembro dos meus tios, meus primos, ou Dona Berenice (a dona de Sevile). Lembro-me dela desde sempre. Focinho e orelhas alongados, uma magreza descomunal, cinza (o que denuncia a idade avançada) e duas roupinhas coloridas que parecem bem quentinhas. Ela me fitava com um olhar pidão e opaco. Ela queria o queijo prato que estava no prato. Eu já sabia que ela gostava de queijo. Peguei um pedacinho escolhido a dedo e sem pensar muito atirei na direção de seu focinho, esperando que ela abrisse a boca e já fechasse mastigando o queijo. A cena foi inesperada. Ela não se mexeu. O queijo bateu bem no meio de seu focinho e caiu no chão. Ao mesmo tempo em que fui tomado por um sentimento de decepção, ri sozinho. Depois de um ou dois segundos ela abaixou a cabeça, pegou o queijo com a boca, o engoliu praticamente sem mastigar e retornou a posição que estava. Com o mesmo olhar. E a mesma magreza. E as mesmas roupinhas. E ficou ali até resolver ir embora. Sem ganhar mais queijo.


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